ARROZ INTEGRAL

 In Blog, Vamos mudar a nossa alimentação e começar a viver

Uma das primeiras modificações que fizemos – minha esposa e eu – na nossa alimentação foi substituir o arroz branco por arroz integral. Havíamos lido em algum lugar sobre os benefícios do arroz integral para a saúde e resolvemos fazer a nossa experiência.

Isso ocorreu há quase quarenta anos e não era comum comer este tipo de arroz naquela época. Tanto é que não foi fácil encontrá-lo. Não havia nos supermercados; as lojas de produtos naturais ainda eram muito raras e, na cidade em que morávamos, que eu soubesse, não havia nenhuma.

No entanto, quando tomamos a resolução de fazer algo que vai nos ajudar, as coisas começam a acontecer. Descobrimos que não muito longe da nossa casa havia uma pequena beneficiadora de arroz. Fomos até lá. O arroz com casca passava por uma máquina e saia do outro lado branco, bonitinho. Falamos ao dono da beneficiadora se podia nos separar algum arroz antes de poli-lo completamente. O homem nos olhou espantado.

-O que? Vocês vão comer essa porcaria?

Tranquilizamos o homem. Dissemos que sim, que gostávamos de comer porcarias e por isso estávamos ali, para que ele nos vendesse um pouco dessa porcaria. Relutante, encucado, ele concordou e passamos a comprá-lo lá regularmente, pagando um preço maior porque era mais fácil tirar toda a casca do arroz de uma só vez do que interromper a máquina para tirar algum integral.

Era um arroz “horrorível”, como dizia o Jô Soares. Quebrado, sujo, dava um trabalhão escolhê-lo. Mas não desistimos.

Mas não foi só isso. Na época eu era professor universitário na área da saúde.  Houve colegas, médicos, que, quando ficavam sabendo que eu comia arroz integral, diziam:

-Você está louco? Onde já se viu?

Não adiantava falar-lhes sobre vitaminas, fibras. Eles pareciam não entender nada disso, embora médicos.

Algum tempo depois um parente de seus catorze ou quinze anos veio passar uns dias conosco. Ele já sabia dessa nossa excentricidade e, chegando, foi franco e sincero:

-Olha, pessoal, eu sou um cara que gosta de comer muito bem e não como qualquer coisa. Não como “aquela coisa” que vocês comem. Se vocês não ficarem ressentidos, eu mesmo gostaria de comprar o meu alimento; assim eu compro o que costumo comer na minha casa.

Dissemos que ficasse à vontade e ele foi ao supermercado. Quando voltou, trazia duas sacolas: uma de miojo e outra de linguiça. E, durante o tempo que ficou em casa – uns dez dias – comeu miojo com linguiça no almoço e na janta, todos os dias. Nunca vimos ninguém comer tão bem!

Isso ocorreu na década de 80 do século passado e desde então as coisas começaram a melhorar. Mas, por volta do ano 2000, ocorreu um episódio que nunca esqueço. Fui fazer um retiro de final de semana com alguém que se dizia terapeuta holística e psiquiatra. Era uma pessoa viajada, com cursos no exterior, frequentadora de congressos internacionais. Como todo mundo, eu tinha – como ainda tenho – as minhas desarmonias e achei que a tal especialista poderia lançar alguma luz sobre como resolvê-las. A coisa complicou quando este pilar da ciência soube que eu comia arroz integral. Imediatamente associou meus males a este consumo. Quem comia arroz integral não podia ter a cabeça no lugar. Havia, no retiro, umas dez pessoas; somente eu comia este arroz, mas a especialista não notou que as outras nove pessoas que lá estavam também tinham as suas desarmonias e comiam arroz branco. Coisas de “especialistas”…

Passei o final de semana temeroso que a polícia ou a ambulância do manicômio viesse me buscar. Se isso não aconteceu, talvez seja porque a terapeuta não conseguiu resolver a dúvida: comer arroz integral era infração à lei ou era coisa de louco?

Mas, como eu dizia, as coisas melhoraram. Hoje acredito que poucos passam por doidos se comerem arroz integral. Ele pode ser encontrado em qualquer supermercado; lojas de produtos naturais existem em todos os cantos. Até aquela pequena mercearia que você conhece deve vendê-lo.

Mas, por que comer arroz integral? Já que até aqui contamos histórias, não custa contar mais uma.

Entre 1605 e 1949, quando obteve a independência, a Indonésia pertencia ao Império Colonial Holandês. Várias doenças ali eram comuns e entre estas, o beribéri. Preocupado com as consequências que essa doença trazia à colônia, o governo holandês, por volta de 1886 enviou uma comissão de cientistas à ilha para estudar essa doença. Lá essa comissão encontrou-se com o cientista Christiaan Eijkman, também holandês, que já estava trabalhando por lá, o qual, interessado em estudar o beribéri incorporou-se à essa comissão.

Aconteceu que os frangos que os cientistas usavam para suas pesquisas eram alimentados com os restos de arroz que sobravam da cozinha de um quartel. Eram frangos doentes, que sofriam de beribéri. Esta palavra quer dizer extremamente fraco. Os frangos sofriam de fraqueza muscular, incapacidade de manter-se em pé, incapacidade de abrir as asas, inapetência e finalmente vinha a morte. Esse arroz, que a guarnição e os frangos comiam, era o arroz branco, polido. De repente, os frangos tornaram-se sadios. Eijkman – como bom cientista – foi estudar por que isto acontecera. Ele descobriu que veio um novo cozinheiro para o quartel que achou um absurdo os frangos serem alimentados com um arroz tão bonito como aquele que a tropa comia. Então passou a alimentar os frangos com um arroz feio, que tinha por lá, o arroz integral.

Eijkman concluiu que devia haver alguma coisa na película do arroz integral que protegia contra o beribéri. Para testar sua teoria, ele teve acesso às prisões da Indonésia. Separou essas prisões em duas categorias: aquelas que serviam arroz branco aos presos e aquelas que serviam arroz integral. Não deu outra: naqueles presos que se alimentavam de arroz branco a prevalência de beribéri era trezentas vezes maior do que naquelas prisões cujos presos se alimentavam com arroz integral.

Esse foi o início de uma série de pesquisas que levou a identificação das vitaminas contidas na película do arroz. Por suas descobertas, Eijkman recebeu o prêmio Nobel em 1929.*

O arroz é um alimento muito rico em amido. Tem também proteínas, lipídios (gorduras), vitaminas, fibras e sais minerais. Contém principalmente vitaminas do complexo B e vitamina E. A maior concentração dessas vitaminas está na película que recobre o arroz integral. 78% da tiamina (vitamina B1), cuja falta causa o beribéri, está na película. 95% da vitamina E, também aí está. Quando o arroz é polido, ele fica branquinho e muito bonito, porém perde quase todas as vitaminas; perde também a maioria das fibras e dos lipídios.** Comemos principalmente amido; daí, a porta está aberta para a instalação de muitas doenças devidas à falta de vitaminas, fibras e outros nutrientes.

Vamos, pois, comer arroz integral. Garanto que não é uma porcaria, como muitos acreditavam (ou ainda acreditam?)!

*Para mais detalhes: REZENDE, J.M. de – Eijkman, o detive do beribéri. In: books.scielo.org/id/8kf92/pdf/rezende-9788561673635-26.pdf

**Para mais detalhes: WALTER, M, MARCHEZAN, E. & ÁVILA, L. A. de. –Arroz: composição e características nutricionais. In: www.scielo.br/pdf/cr/v38n4/a49v38n4.pdf

abril / 2017

Escrito por: NILTON TORNERO